Um mês depois da explosão do
Northern Rock, o ministro português das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos,
era um modelo de sossego e confiança. “É claro que se trata de uma crise, mas
continuará circunscrita ao domínio financeiro e terá um impacto muito reduzido
e de pouca monta na actividade real das nossas economias”, disse sem manifestar
grandes dúvidas, no final da cerimónia de posse do novo director-geral do
Tesouro e Finanças, a 9 de Setembro de 2007.
Estávamos em plena presidência
portuguesa da União Europeia, a que se saldou com a aprovação do “porreiro, pá”
Tratado de Lisboa, e Fernando Teixeira dos Santos não parecia perturbado. A 14
de Setembro, preside a uma reunião dos ministros das Finanças dos 27 no Porto,
mais os governadores dos bancos centrais e do BCE e não prevê o desastre.
Afirma que os dirigentes se manterão “vigilantes e prudentes”, mas está
“convicto de que haverá razões para reforçar a confiança na evolução futura dos
mercados, num quadro em que, apesar de alguma incerteza, os fundamentos do
crescimento económico continuam a apresentar-se sólidos e robustos”. Se, por um
lado, Teixeira dos Santos chega a dizer que “estas situações não passam de um
dia para o outro”, não hesita em falar logo em Setembro em “rescaldo” da crise:
“O ambiente de incerteza e de alguma intranquilidade entrou numa fase de
rescaldo.”
Pela mesma altura, o Presidente da
República, Aníbal Cavaco Silva, admitia que “esta turbulência nos mercados
financeiros não é nada positiva para a economia europeia e também não o é para
a portuguesa, porque afecta a confiança dos agentes económicos”, mas não lhe
“parecia” que Portugal viesse a ser “muito afectado”. “A economia portuguesa
parece, repito parece, estar a encontrar um ritmo mais forte do que nos últimos
anos”, disse Cavaco, para quem esse “ritmo mais forte” seria o “bastante para
ultrapassar a crise sem grandes sobressaltos”.
À saída do Ecofin, Teixeira dos
Santos mostrou tudo menos sintomas de inquietação. “Não é de esperar impactos
directos sobre a economia portuguesa da actual turbulência e algum impacto
indirecto será de pequena dimensão, não muito significativa”, disse Teixeira
dos Santos no intervalo da reunião dos ministros das Finanças. “As entidades
financeiras portuguesas não estão expostas de forma significativa aos riscos”.
O crescimento (mínimo, de 1,7%) da economia portuguesa estava a ser conseguido
através de um “contributo reforçado da procura interna, que a protege de algumas
flutuações da procura externa”.
A 28 de Setembro, o presidente da
Comissão Europeia Durão Barroso regista que houve “alguns acontecimentos que
criaram alguma instabilidade”, mas está optimista. “Estivemos a fazer uma
análise das consequências dessa instabilidade, das perspectivas económicas
europeias e da economia portuguesa e, até agora, as nossas conclusões não são
pessimistas”, disse Barroso, que previa que “pelo contrário, vai manter-se o
crescimento”, apesar de “poder haver algumas consequências em termos do custo
de crédito”. “Em termos da economia real europeia, não estamos a ver, pelo
menos de acordo com os indicadores que temos até agora, motivos para especial
preocupação”, afirmou Durão Barroso. Afinal, “os princípios fundamentais da
economia europeia estão sólidos, a economia europeia está sólida e, por isso,
não vemos razões para especial preocupação para a economia europeia e, com
certeza que também, ainda com algumas especificidades, será a realidade em
Portugal”.
Dias depois, Cavaco admite que a
crise gerará “mais incerteza, maiores taxas de juro e escassez no crédito”, mas
conclui que Portugal a vai ultrapassar “sem grandes sobressaltos”.“Esta crise
terá, talvez, alguma influência na economia portuguesa, mas Portugal tem
condições para a ultrapassar sem grandes sobressaltos”. A 2 de Outubro, surge
uma voz preocupada: a do ex-Presidente da República Mário Soares que admite o
alastramento da crise financeira. “O que me preocupa mais é saber se a crise
financeira que alastra vai ter consequências económicas ou não”.
Mas a 17 de Outubro era o próprio
ministro português das Finanças que declarava que a “tempestade” tinha passado.
“A tempestade já passou e a lição não deve ser ignorada”, concluiu muito
prematuramente Fernando Teixeira dos Santos. A crise financeira “foi um sério
teste ao sistema, que já passou, e agora é preciso tirar conclusões”. “Portugal
não escapou a esta onde de choque”, mas “teve capacidade para reagir”,
congratulou-se Teixeira dos Santos.
Quanto a José Sócrates,
primeiro-ministro, nunca se lhe ouviu um ai naqueles primeiros meses,
entusiasmado com a presidência portuguesa, com o Tratado de Lisboa que
assinaria ao lado de Durão, sob o signo do histórico “porreiro, pá”. Em Agosto
estava de férias e não deu pelo desastre do Northern Rock. O deputado do CDS
Diogo Feio regista: “Estranhamos que o primeiro-ministro português, que neste
momento ocupa a posição qualificada de presidente do Conselho Europeu, nada
tenha a dizer sobre o assunto.” Sócrates era todo optimismo: “Ninguém investe
em Portugal 60 milhões de euros numa fábrica com esta dimensão se não tiver
confiança na economia e sociedade portuguesas”, disse numa inauguração de uma
fábrica de pilhas.
Meses depois, a 25 de Março de 2008,
Sócrates garante que a crise orçamental portuguesa “está ultrapassada” e os
factores que a desencadearam “estão resolvidos”. “Os últimos três anos foram de
uma governação difícil e exigente, com um grande esforço de contenção da
despesa pública”, mas foi “a primeira vez em que houve um esforço sério e forte
da consolidação orçamental” sem afectar o crescimento da economia. “Para o
futuro nenhum primeiro-ministro, a não ser que faça disparates, precisa de se
preocupar com aquilo que são as contas do Estado”, garantia Sócrates.
Em 2009, Sócrates irá recordar que a
partir de 2007 Portugal entrou numa conjuntura de recessão devido à crise
internacional. “Não há um político que esteja no activo que tenha passado por
uma situação como esta”. Mas estava “muito convencido” que a crise se iria inverter
em 2010. O pessimismo, garantiu em debate com Manuela Ferreira Leite, não
resolvia problemas.
«I» 9.8.2012