terça-feira, 20 de abril de 2010

UM IMENSO ADEUS


«Tem trinta e cinco anos, mas aparenta cinquenta. É careca, sofre de varizes e usa óculos, ou usaria, se o seu único par não estivesse constantemente em parte incerta. Caso se encontre no seu estado normal, está cheio de fome, mas caso tenha ganho algum dinheiro recentemente, então está com uma valente ressaca. Neste momento, são onze e meia da manhã, e, de acordo com o plano que ele próprio traçou, já devia ter começado a trabalhar há duas horas; porém, mesmo que tivesse levado a cabo um esforço0 sério para pôr mãos à obra, os seus intentos teriam sido frustrados pelo toque quase ininterrupto do telefone, pelos berros do bebé, pelo matraquear de um berbequim eléctrico na rua e pelos passos pesados dos seus credores escada acima, escada abaixo. A mais recente interrupção foi a chegada da segunda remessa de correio, que lhe trouxe duas circulares e uma intimação das Finanças em letras vermelhas.
Escusado será dizer que este fulano é um escritor. Podia ser um poeta, um romancista, um argumentista de filmes ou de programas radiofónicos, pois todos os que se movem no meio literário são muito parecidos, mas digamos antes que se trata de um crítico literário.»