segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

UM RECONHECIMENTO (DEMASIADO) TARDIO


«Ele representava neste século, e contra a História, o herdeiro actual desta longa linha de moralistas cujas obras constituem o que há talvez de mais original nas letras francesas. O seu humanismo insistente, estreito e puro, austero e sensual, travava um combate duvidoso contra os acontecimentos maciços e disformes deste tempo. Mas, inversamente, pela firmeza da sua recusa, ele reafirmava, no coração da nossa época, contra os adeptos de Maquiavel, contra o bezerro de ouro do realismo, a existência do facto moral.
Ele era, por assim dizer, essa inabalável afirmação. Por pouco que se lesse ou se reflectisse Camus, esbarrava-se com os valores humanos que ele guardava nas suas mãos fechadas: ele punha o acto político em questão. Era necessário ou transformar a sua opinião ou combatê-lo: indispensável, em resumo, a essa tensão que faz a vida do espírito. Mesmo o seu silêncio, nestes últimos anos, tinha um aspecto positivo: este cartesiano do absurdo recusava-se a abandonar o terreno seguro da moralidade e a comprometer-se nos caminhos incertos da prática. Adivinhámo-lo e adivinhávamos também os conflitos que ele calava; porque a moral, se a consideramos sozinha, exige ao mesmo tempo a revolta e condena-a.
Esperávamos, era preciso esperar, era preciso saber: fosse o que fosse que Camus tivesse podido fazer ou decidir no futuro, ele nunca deixaria de ser uma das forças principais do nosso campo cultural, nem de representar, à sua maneira, a história da França e deste século.»
.
Jean-Paul Sartre
(Extracto do artigo escrito um dia após a morte de Albert Camus e publicado no 'Nouvel Observateur' de 7 de Janeiro de 1960)