terça-feira, 5 de abril de 2011

UM IMENSO ADEUS



Oh, o vigor dos corpos
às voltas como bichos no convés,
calcando sem pensar
molhos de camponeses no porão
e recordando os seios
que deixámos roubar das mãos,



ter os dedos vazios
da sua turgidez,
do seu calor, do seu aroma a leite
só torna mais presente
o alto navio negro e a sua carga.




Quanto lembre, o destino não era nenhum.
Abandonado tudo,
era ir e regressar com vida,
conquistar a alforria em cidades e aldeias
deixadas para trás,
ninguém somava custos,

e depois a morte era uma palavra
- azar, acaso, espírito malévolo -
contra a qual muitos tinham amuletos,
mais não fosse as medalhas de alumínio
e terem tatuado à vista
a companhia mil e qualquer coisa,
enquanto se guardavam
os ícones maternos para o medo.

E a noite veio,
a minha juventude na coberta
a ponto de perder-se,
o casco do navio
fundido com as trevas,
o estremecer das máquinas
na medula dos ossos,
o cheiro a vomitado
que nos persegue há séculos,

frdor que lembro,
porque chegou a altura do exorcismo,

e não sei de ninguém
que cale esta viagem
nas cabeças dementes e na minha,
e possa devolver os pássaros
aos choupos;
e o vagaroso ritmo, às colheitas;
e a inteireza do lódão,
aos homens,

de modo a que o navio não navegue
no fluxo da memória
e as palavras não contem,
quietas sob os mortos,
no seu inviolável cofre de silêncio.

(Extracto)