quarta-feira, 17 de maio de 2017

SOBRE HERÓIS E TÚMULOS

Instrutores dos comandos quiseram pôr vidas em risco, conclui Ministério Público

Procuradora diz que arguidos “agiram conscientemente com o propósito de maltratarem fisicamente” os recrutas sabendo que estes poderiam ficar “em perigo de vida”. Acusação deverá sair até Junho.

Como consta do processo consultado pelo PÚBLICO, as responsabilidades são atribuídas nos seguintes termos: “Todos os arguidos agiram voluntária e conscientemente com o propósito de maltratarem fisicamente os ofendidos e instruendos do curso” sabendo como “possível que da privação da água” associada à “exposição de elevadas temperaturas” e à “imposição de exercícios físicos violentos, resultasse doença particularmente dolorosa, e mesmo perigo para a vida dos ofendidos, conformando-se, não obstante, com esses resultados”.
Além disso, os responsáveis da instrução e instrutores ignoraram os referenciais conhecidos em publicações científicas relativas aos efeitos do calor e da desidratação, e transgrediram os deveres militares exigíveis a todos mas sobretudo a oficiais, refere a magistrada do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa.
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A situação foi agravada, conclui-se nos factos imputados, pelos castigos impostos a quem dava sinais de não estar bem, e porque os procedimentos foram ignorados pelos responsáveis. Ainda antes da Prova Zero ser suspensa pelas 16h10, pelo menos dois dos instruendos que se encontravam em situação mais grave deveriam ter sido colocados numa tenda com refrigeração – um deles era o segundo furriel Hugo Abreu. Pelo contrário, foram colocados numa tenda “onde a temperatura ambiente era superior à temperatura exterior”.
O resumo redigido dos factos apurados e imputados aos arguidos já está nos moldes em que será a acusação que deverá ser deduzida até final de Junho. E essa linha de acusação não contempla a hipótese de as mortes terem resultado de negligência porque os instrutores e responsáveis pela instrução tinham conhecimento das graves consequências que adviriam da forma como decorreu a instrução.
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Além disso, a investigação considera que o director da prova – um dos principais arguidos – “conhecia as características das instruções constantes do Guião da Prova Zero e face ao que já havia sucedido em cursos anteriores, sabia que o esforço físico dos instruendos a céu aberto e a temperaturas elevadas, conjugado com a privação de água, provoca necessariamente lesões neurológicas e corporais nas vítimas”.
Como responsável do curso, o tenente-coronel devia “impedir a prática de castigos e de quaisquer actos violentos contra os instruendos”. Em vez disso, diz a procuradora, “os empurrões, bofetadas, socos na cabeça e pontapés" eram "prática habitual por parte dos instrutores”.
Sobre o comandante de companhia de formação do curso 127, capitão responsável hierárquico de todos os instrutores, diz que “quis provocar” lesões corporais, “sabendo que dessa forma violava gravemente os seus deveres” militares (inerentes à sua função) e a disciplina militar, exigível a um oficial”. Dos 20 arguidos, oitos são oficiais: um tenente-coronel, dois capitães, três tenentes e dois alferes.

Ana Dias Cordeiro
Público